Os bastidores da Lei Henry Borel
Há cerca de um mês o Senado Federal aprovou, por unanimidade, o Projeto de Lei (PL) 1.360/2021, que ficou conhecido como Lei Henry Borel. O novo regulamento criou mecanismos para a prevenção e o enfrentamento da violência doméstica e familiar contra crianças e adolescentes de todo o país. Além disso, o novo dispositivo visa ampliar a sensação de segurança para pais ou responsáveis. Será que deu certo?
Para quem não lembra do caso, é importante contextualizar que Henry Borel foi morto em março de 2021, com apenas quatro anos. Segundo as investigações da Polícia Civil, os responsáveis pelo ato de violência contra a criança foi o ex-vereador do Rio de Janeiro, Jairo dos Santos Souza Junior, mais conhecido como Jairinho, e a mãe do garoto, Monique Medeiros.
Não quero aqui questionar o fato de que os ilustres senadores federais aprovaram um PL importantíssimo e que vai garantir direitos básicos daqueles que serão o futuro da nação - longe de mim qualquer alusão mal feita que vá neste sentido. Tampouco desejo minimizar o sofrimento de familiares que perderam seus entes queridos – crianças e adolescentes – em decorrência da extrema violência que acontece de Norte a Sul, de Leste a Oeste do Brasil.
Entretanto, não te ocorre uma fagulha de curiosidade, um espasmo de espanto ou uma nesga de dúvida ao refletir sobre a brevidade na criação da lei? Foi preciso acontecer a morte de uma criança de classe média alta, enteada de uma figura pública e moradora da Barra da Tijuca (bairro nobre do Rio de Janeiro) para que o direito à vida das nossas crianças fosse respeitado?
De acordo com dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), entre 2016 e 2020, 35 mil crianças e adolescentes de até 19 anos foram mortas de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano. Entre as vítimas estava Miguel Otávio de apenas cinco anos, lembra dele? Uma criança cheia de vida que caiu do nono andar de um prédio de luxo no Recife, em Pernambuco, enquanto sua mãe passeava com o cachorro da patroa, Sarí Corte Real.
Da mesma forma, mortes como as do estudante João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, em maio de 2020, e da menina Ágatha Vitória Sales Félix, em setembro de 2019, ambas no Rio de Janeiro, causaram revolta e comoção na população. No entanto, não vi nenhum movimento parlamentar ou projeto de lei que defendesse ou ampliasse os direitos à vida de crianças e adolescentes que vivem em territórios de risco. A essa altura você já deve imaginar os por quês, certo?
Contudo, acho que vale a pena ressaltar a ideia de que crianças como João Pedro e Ágatha são invisibilizadas pelo estado brasileiro desde que chegam a este mundo. Infelizmente, são as nossas crianças que morrem com tiro de armamento da polícia em ações pacificadoras violentas. São elas quem sentem o ardido da bala perdida perfurando o tórax, pulmão e paredes do intestino quando cometem o infeliz engano de brincar feito crianças no quintal de casa.
Mesmo com todo o avanço tecnológico e o alarde que se faz por meio das redes sociais, as mortes de crianças e adolescentes inocentes não foram capazes de colocar deputados, senadores e magistrados para repensar a rede de proteção social delas. Segundo o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, realizado em julho de 2021, cerca de 2.337 crianças e adolescentes foram vítimas de Morte Violenta Intencional (MVI) durante os primeiros semestres de 2019, 2020 e 2021.
O meu raciocínio não é ser contrário à Lei Henry Borel, mas luto para que o senso de justiça e equidade prevaleça, em memória a todas as vidas que, precocemente, foram dizimadas. Depois da aprovação desta lei – que já foi um passo enorme – eu me perguntei diversas vezes qual era realmente o significado dela para os pais, amigos e parentes de Miguel Otávio, João Pedro, Ágatha Vitória e de outras vítimas.
Sei que nada trará essas crianças de volta ao seio familiar, mas pra quem fica, luta, resiste e precisa provar que não houve intenção de morte (autoextermínio), ou ainda, que ninguém se colocou em risco diante da linha de tiro propositadamente, ter o nome do ente querido estampado em uma lei nacional faria toda diferença. Não acha?
Você pode chamar do que quiser: mimimi, vitimismo, “encheção de saco”, pagamento de dívida social ou até de racismo estrutural. Porém, a única certeza que tenho depois de tudo isso é saber que alguns vendem o ingresso para o circo, outros optam por ser palhaço, o equilibrista ou o homem cuspidor de fogo nesse picadeiro chamado Brasil.
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