Contra o preconceito: como é ser mãe de uma criança com deficiência?

Contra o preconceito: como é ser mãe de uma criança com deficiência?

Por Gilberto de Almeida 12/05/2024 - 14:54 hs

Desde o momento em que uma mulher se torna mãe, ela é confrontada com uma série de responsabilidades. Mas ser mãe vai além disso, especialmente quando o desafio da maternidade envolve uma jornada contra o preconceito por conta de uma deficiência do filho.

É o caso de Deise Campos, que começou sua jornada na síndrome de Down há 30 anos, quando o filho Guilherme nasceu. A descoberta da síndrome veio após o parto, quando um geneticista explicou sobre a condição para Deise e o marido. “Logo após a notícia já fomos atrás de mais informação e tratamentos para o Gui. Pensamos ‘vida que segue’, vamos fazer o que estiver ao nosso alcance para que ele seja saudável e feliz”, diz Deise.

Ela conta ainda que, 30 anos atrás, o acesso à informação não era tão fácil e nem mesmo os médicos sabiam muito sobre a síndrome de Down. “A maioria dos médicos tinha uma ideia de que as crianças com Down não saberiam ler, escrever, não iriam se desenvolver. Então era aquele pensamento retrógrado capacitista. Esse foi o principal desafio que enfrentamos com a criação do Gui”, diz Deise.

O mesmo aconteceu com Marina Zylberstajn, que recebeu a notícia de que o filho caçula, Pedro, tinha síndrome de Down apenas na hora do nascimento do bebê, em 2018. “Nunca se está preparado para receber a notícia de que seu filho tem uma deficiência. Principalmente pela falta de convivência com pessoas com Down e a errônea associação disso com incapacidade e infelicidade. Mas percebemos que a condição é apenas um ‘véu’, um detalhe que cobre aquela pessoa. Com o tempo esse pano vai caindo e passamos a enxergar a criança como ela é, sem colocar a deficiência na frente”, diz a pedagoga.

Uma criança com síndrome de Down exige cuidados específicos e atenção constante, desde o acompanhamento médico frequente até o estímulo adequado ao desenvolvimento cognitivo e motor. Em muitos casos, essas mães precisam deixar suas carreiras de lado para priorizar seus filhos, como explica Michelle Terni, da consultoria Filhos no Currículo, que apoia a reintrodução de mães no ambiente corporativo e atua para promover a conscientização das empresas e do mercado nesse sentido.

“Para muitas mulheres é no momento da chegada de uma criança que o jogo da carreira para de existir. Há pesquisas que mostram que quase metade das mulheres saem do mercado de trabalho até dois anos depois da chegada dos filhos, porque realmente fica mais complexo conciliar os papéis. Uma criança com deficiência na vida de uma família vai exigir uma atenção diferenciada, como uma agenda de fisioterapias e outras necessidades específicas que vão impactar na rotina dessa família”, diz.

De acordo com Michelle, ações para melhorar a realidade dessas famílias, principalmente das mães, no trabalho incluem criar um senso de identificação e pertencimento para elas e também para quem está à sua volta. “É importante fazer com que elas não se sintam sozinhas e entendam que tem outras famílias no mesmo barco que elas. Outra prática importante é a trabalhar o mercado de trabalho com uma agenda mais flexível, como então jornadas flexíveis, retornos graduais, para que esses compromissos sejam conciliados com a carreira. Rede de apoio, nem se fala, é fundamental. E aí podemos reforçar que  essa rede pode ser construída, ela não necessariamente precisa vir de casa. Dá para ter, inclusive, a própria organização como parte da sua rede de apoio”, garante Michelle.

Sentimentos de solidão e isolamento, muito presentes na maternidade, embora pouco abordados, acabam sendo potencializados para mães de crianças com deficiência. A falta de compreensão e empatia por parte da família e da comunidade, além da falta de rede de apoio, podem tornar a jornada ainda mais difícil. É por isso que iniciativas como o Projeto Laços, criado pelo Instituto Serendipidade e coordenado por Marina Zylberstajn, Claudia Zaclis, Deise Campos e Fernanda Rodrigues, são tão importantes.

O projeto oferece suporte e orientação para pais e mães que acabaram de receber a notícia de que o filho tem síndrome de Down ou outra condição genética. Por meio de grupos de apoio e encontros com conteúdos diversos, o projeto acolhe através de uma escuta ativa, sem julgamento, promovendo um espaço seguro e acima de tudo, fortalecendo redes de apoio, o que é extremamente importante, principalmente no momento da notícia. 

Não foi fácil para Fernanda Boaz, de 38 anos, aceitar que seu primeiro filho nasceria com síndrome de Down. Ela mora em Orlando (EUA) e hoje afirma que ama o filho incondicionalmente. “Hoje só agradeço pela vida do meu filho. Inclusive, se ele não tivesse síndrome de Down, ele não seria quem ele é e quem eu amo plenamente”, diz.

Por morar em outro país, a rede de apoio de Fernanda fica prejudicada, mas ela garante que ter uma “mãe acolhedora” do Projeto Laços tem feito toda a diferença na inclusão de Vicente: “Tive esse amparo desde a gravidez. Mesmo estando longe, sempre que precisei, minha mãe acolhedora esteve disponível para mim, e fazer parte do projeto me ajudou muito na aceitação, me mostrando que é possível ser feliz na diversidade”.

Os desafios de cada fase do crescimento de uma criança com síndrome de Down nem sempre são culpa da condição, como pontua Bruna Cesaroni, mãe da Lily, de 5 anos. Sem romantizar a situação, ela diz que muitas mães sofrem mais por acharem que tudo o que acontece com o filho é por causa da síndrome. “Muitas vezes é normal da idade tal comportamento, acontece com quase todas as crianças, mesmo sem deficiência”, diz ela.

Para ela, as principais dificuldades de ser mãe de uma criança com síndrome de Down estão relacionadas à falta de acesso a médicos e terapeutas que sejam especializados na Trissomia do 21. “Aqui na minha cidade (Salvador - BA) é difícil encontrar e os que atendem minha filha geralmente a tratam de maneira bem generalizada”, diz Bruna.

A baiana de 40 anos apoia outros pais e mães de crianças com síndrome de Down através do Projeto Laços e sente que faz a diferença na vida de outras famílias. “Poder conversar com pessoas que passam por situações parecidas com as nossas, mas que estão um pouco à frente nessa jornada é um alívio e uma motivação”, garante Bruna.

Outra mãe acolhedora é Mércia Albuquerque, que mora no Maranhão e tem o João Miguel, de 4 anos, com síndrome de Down. Em sua opinião, a falta de uma rede de apoio é um dos principais desafios nessa jornada. “Tento seguir da maneira mais leve e natural possível,  apesar da infinitude de terapias e a alta demanda em diversas questões. tento equilibrar, não é fácil. Às vezes realmente não temos a quem recorrer. Com o Laços, aprendi a lidar melhor com as emoções. A troca de experiências e o apoio das famílias são essenciais”, diz.

Sobre o instituto

O Instituto Serendipidade é uma organização sem fins lucrativos que potencializa a inclusão de pessoas com deficiência, com propósito de transformar a sociedade através da inclusão. Visa ser impulsor de impacto social relevante, colaborativo e inovador, sempre prezando pela representatividade, protagonismo, de forma transversal e acima de tudo, com muito respeito. As iniciativas que atendem diretamente o público são: Programa de Iniciação Esportiva para crianças com síndrome de Down e deficiência intelectual, de famílias de baixa renda; Programa de Envelhecimento que atende mais de 60 idosos com algum tipo de deficiência intelectual para promoção do bem-estar, e o Projeto Laços, que acolhe famílias que recebem a notícia de que seu filho (a) tem algum tipo de deficiência. Atualmente o Serendipidade impacta mais de um milhão de pessoas, criando pontes, gerando valor em prol da Inclusão e através do atendimento direto a pessoas com deficiência intelectual e suas famílias.

Mais informações em www.serendipidade.org.br E nas mídias sociais @institutoserendipidade